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de passagem no contra fluxo


Prelúdio


Sábado, nove do doze de dois mil e dezessete. Não imaginava que nesta data viveria verdadeiras odisseias no espaço. A pequena viagem, com cerca de uma hora na duração sentido Santo André foi tranquila, até consegui sentar um pouco no trem e apreciar algumas paisagens, antes de desembarcar na Estação Prefeito Saladino (sempre achei este nome curioso, desde a época que frequentava a cidade como estudante do ensino médio, no fim dos anos 90). Cheguei na Praça Rui Barbosa - local que abriga a resistente Escola Livre de Teatro - com algum tempo de folga até o pouso da nave que vem se manifestando por ali atualmente e me abduziu na ocasião que irei relatar nas próximas linhas que seguem.

O Acesso ao Portal

Pessoas começam a se juntar em frente à ELT perto das vinte horas; passados alguns minutos desse horário (marcado), um tanto de fumaça começa a vir de dentro do Teatro Conchita de Moraes, com sua faixada deteriorada, fumaça esta anunciando, talvez, certa manifestação que irei relatar a seguir. E eis que surgiram seres mascarados, num misto de andróides com cyberpunks neo-urbanos, junto com eles a bicicleta-triciclo que já tem muita história e vibra em si própria tantas ondas radiofônicas, poéticas, ruidosas e caóticas. Neste momento, um carro popular com alto teor de alegria e certa velocidade lançou uma bombinha de paz que caiu aos meus pés: sim, estava bolado, pronto pra acender. Pati Gi, a idealizadora e diretora do espetáculo, me olhou com perplexidade, abaixei imediatamente e aceitei de bom grado tal oferenda, comentei algumas palavras ao pé d'ouvido dela e a nave aterrisou.

Rua e Futurismo

O côro futurista segue ruas adentro entoando com vigor e determinação cânticos sagrado-profanos fazendo ode - sem ódio - aos sintomas da contemporaneidade, seus aspectos viciosos, numa apocalíptica apoteose. A energia báquica inspira, de fato, tesão e baque. Um bosque de delírios é atravessado, a poesia expande e prepara o fluxo do caos e alarde. A perspectiva do futuro amplifica o pior nesses tempos que vivemos (em que é necessário defender o óbvio), jogando na lente de aumento uma perspectiva do que só pode vir a piorar, "sem massagem na mensagem", transformando o aqui agora em projeções indesejáveis, mas aparentemente inevitáveis, ao menos na perspectiva da matrix, que tudo engole e controla.

Riscos e Reações

A escola ganha a avenida, vai juntando mais gente, o povo fica provocado e curioso. Já escreveu Marcelino "só o amor constrói, edifícios, condomínios fechados e bancos". E numa grandiloquência minimalista, o caixa eletrônico é surpreendido por dois dos seres alienígenas, na representação dos humanóides alienados, retirando kilométricos extratos e bailando ao som de Chinese Man (vejam e ouçam I've Got That Tune no youtube, é muito foda, eu já vinha ao longo do ano pirando nesse video e som). O lúdico se encerra quando as figuras saem de dentro das dependências do recinto com um alarme sendo disparado, causando impacto e dispersão na massa reunida em torno do ryto-capital. Segue o baile... Entre o fast food, a balada forjada na faixa de pedestres em frente a pizzaria e a misteriosa densidade presentificada pela aparição da Nossa Senhora da Rua, os corpos do elenco são provados pelas constantes finas tiradas por motos e carros, no centro das pistas divididas pelos poucos centímetros das duas faixas amarelas. Discurso ao megafone. O (contra) fluxo vai se intensificando, assim como o bamba e duas cervejinhas potencializam o transe. Um momento pseudo-bucólico, olha só, quem diria, na beira do córrego e, pensando por esse viés, já não me deixaria admirado, se rolasse pescaria, ou coisa que o valha. Sim, Dor Elegante pintou pra dar seu recado, outros sentidos pro Polaco Loko Paca, novos arranjos pro Ita (vulgo negão) e até Baffô teve vazão com sua casa de menino de rua em que o ultimo a dormir apaga a lua.

Catarse e Purificação

E na movida, contrariando as estatísticas (além das regras de trânsito), chegamos na última ilha, que poderia ser de desordem, ou destroços, mas parece virar assentamento, quer agrário, ou de santo feito. Cabeças decepadas pelos próprios seres que as possuem são expostas em praça pública. Civilização e barbárie. O nascimento de outro pensamento, talvez? Despertar de uma nova consciência, com o destino e o próprio crânio nas mãos? A inspiração para Pauliceia Desvairada bateu pro Mário a partir da música contida no tumulto da cidade e nesta peça-intervenção não é diferente, embora as melodias e canções harmonizem e alquimizem a dura poesia concreta de tuas esquinas. É chegado o momento de catarse e purificação, que a maioria presente há de sentir, deveras, mas um bêbado de rua, com toda sua intensidade, deixa seu corpo atravessar pela força arrebatadora da arte no alto da potência criativa. Espírito renovado, corpo fechado e término deste despretensioso relato com o tal poema, que dizem, foi responsável por batizar este estrondoso e perturbador espetáculo:


atrasado

delírios diários o cotidiano, coitado (!) de passagem no contra-fluxo entre buzinas e carros encontram-se sentimentos

à venda (!!)

enquanto durar estoques mas só se o preço for barato (!!!) e a reação, torpe

Caco Pontes

(*publicado no livro Sociedade Vertical)

CONTRA FLUXO

A Escola Livre de Teatro de Santo André apresenta o experimento cênico ‘CONTRA FLUXO, resultado do processo de estudos do quarto e último ano da Turma 18 do Núcleo de Formação de Atores e Atrizes.

Tendo como mote para a criação a chegada, no tempo presente, de um grupo de rebeldes, fugidos e perseguidos, vindos de um tempo futuro, CONTRA FLUXO propõe que o espectador siga esse ‘bando da futuridade’ pelo bairro. Através de interferências cênico-musicais, o ‘bando’ busca provocar um contra fluxo de ações diante da organização que constitui o tempo atual da sociedade, propondo um olhar através de outras perspectivas.

‘Somos cacos do futuro em construção, agora!’ – canta umas das figuras em frente aos estabelecimentos comerciais da Rua Vieira de Carvalho, bairro de Santa Teresinha.

Tendo como referência os coros gregos da origem do teatro ocidental – onde a musicalidade da palavra materializava a narrativa, legado da cultura oral, anterior ao advento da escrita – a linguagem do experimento prioriza o canto ao vivo. Em cena, o ‘bando’ se comunica cantando numa tentativa de elevar o discurso da palavra a um nível ritualístico, evitando o tom discursivo. Para além da criação de textos inéditos e transformados em canções, também foi de grande inspiração e integram a dramaturgia deste trabalho, poemas de Caco Pontes, Giovani Baffô, Donizete Galvão e Mauro Iazi, numa associação evidente desses coros que cantam a atualidade.

O estudo para a composição dramatúrgica também buscou referências e inspirações em alguns autores e autoras que escrevem sobre a cidade, a urbanidade e a contemporaneidade como João do Rio, Maria Rita Kehl, Ernesto Sábato, Jorge Larrosa Bondía e o Comitê Invisível. O coletivo de artistas, juntamente com o público, percorrerá a Rua Vieira de Carvalho, compondo artisticamente com a arquitetura urbana concreta, fazendo com que a própria cidade sirva como cenário e os cidadãos se transformem em transeuntes-atores dessa grande cena pública.

O desejo pela investigação dessa linguagem vem da necessidade de tornar ainda mais evidente a participação do artista no cotidiano urbano da cidade de Santo André, buscando durante a própria realização da obra, uma fricção entre arte e vida.

CONTRA FLUXO tem direção geral de Patricia Gifford e realizará temporada de nove apresentações, de 30 de novembro a 16 de dezembro, de quinta a sábado, às 20h, com entrada gratuita.

__________

FICHA TÉCNICA

Criação | Turma 18 do Núcleo de Formação de Atores e Atrizes da Escola Livre de Teatro de Santo André.

Elenco | Dani Fontana, Dennis Rodrigues, Jefferson Silvério, Jennifer Souza e Joy Catharina.

Direção Geral | Patricia Gifford

Direção musical, composições inéditas, arranjos eletrônicos | Tulio Crepaldi

Direção vocal interpretativa | Lucia Gayotto

Direção de arte e figurinos | Yumi Sakate

Dramaturgia e letras das canções | Patricia Gifford e Marcos Emanoel

Poesias dos poetas urbanos | Caco Pontes, Giovani Baffô, Donizete Galvão e Mauro Iazi

Depoimento reproduzido em áudio | Carlos Eduardo Albuquerque Maranhão

Intérprete musical | Tulio Crepaldi

Participação especial | Patrick Carvalho

Colaboração artística | Artur José Marques Paulo, Cuca Bolaffi e Leon Henrico Geraldi

Coordenação da engenharia elétrica e de som | Diego Lima Lucas

Iluminação das cenas | Van Caires

Direção da equipe técnica | Ramilo Assunção e Vica Ramos.

Equipe técnica | Amanda Barcelos, Dede Andrade, Gabi Gomes, Giovanna Sanches, Giulio Passerino, Jefferson Santana, Letícia Pasqual, Nadia Verdun, e Will de Barros

Manutenção do carro de som | Diego Lima Lucas, Mauro Martorelli e Paulo Varela

Operação de som | Diego Lima Lucas e Tulio Crepaldi.

Apoio de figurino | Elizabete B. Lucas

Fotos | Ayla Lucciola,Gabi Gomes e Rai Nóbrega

Designer Gráfico | Gabi Gomes

Realização | Escola Livre de Teatro de Santo André

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SERVIÇO:

CONTRA FLUXO

Estreia: 30 de novembro de 2017

Temporada: de 30 de novembro a 16 de dezembro de 2017.

Quinta a sábado, às 20h.

Endereço: ELT – Escola Livre de Teatro de Santo André – Praça Rui Barbosa, 12, Santa Teresinha – Santo André Telefone: 11 4990-4474

Classificação Indicativa: 12 anos | Duração: 120 minutos | GRATUITO

*Não há distribuição de ingressos, o experimento acontece na rua.


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